O ano começa bem
[dropcap]N[/dropcap]o ano de 2013 completei cinquenta anos de vida.
E, por uma dessas felizes coincidências da vida, logo no mês de Janeiro fiz pela primeira vez um passeio de vinte dias pela Italia.
[dropcap]E[/dropcap]u e minha esposa Angela fizemos um roteiro que passava pelas principais cidades que gostaríamos de conhecer: Roma, Firenze, Bologna, Milão, Veneza. Reservamos os hotéis com antecedência (bendita internet!), planejamos os passeios em cada cidade e partimos para nossa aventura.
Desde que saímos do Brasil, eu pensava em fazer um passeio pela região de meus antepassados pois no inicio do ano anterior havia descoberto em qual commune meu avô e meu bisavô haviam nascido.
[dropcap]E[/dropcap] aproveitando a viagem, fui conhecer as cidades de Castel di Casio, onde meu avô nasceu, e Gaggio Montano, onde nasceu e viveu meus bisavós.
A região montanhosa coberta de neve proporcionavam a nós paisagens lindíssimas. Olhávamos e fotografávamos tudo o que víamos.
[dropcap]C[/dropcap]hegamos em Castel di Casio, uma cidade pequenina como a maioria das cidades da Italia, com cerca de 4000 a 5000 habitantes. Passeamos pela praça central, demos algumas voltas pelos quarteirões centrais e fomos para Gaggio Montano.
A surpresa
[dropcap]E[/dropcap]m Gaggio, tomando um café num bar próximo à prefeitura, achei no canto do bar um livro que falava sobre a história da cidade e de seus cidadãos. Era escrito por um grupo de estudo chamado “Gente di Gaggio”.
Curioso, abri o livro e comecei a ler algumas páginas e, para minha surpresa, achei em uma delas a referência a alguém que também tinha meu sobrenome.
[dropcap]P[/dropcap]erguntamos ao dono do bar sobre o grupo e ele nos passou o telefone de um dos participantes: Adelfo Cecchelli.
Infelizmente, por vergonha ou timidez, acabei não indo conversar com ele. Mal sabia eu que tipo de pessoa maravilhosa ele era.
Enfim, logo que retornei ao Brasil, pesquisei sobre Gente di Gaggio e descobri que eles eram um grupo sem fins lucrativos e movido por pessoas apaixonadas pelas raízes históricas da cidade e de seus antepassados.
[dropcap]E[/dropcap]ntrei em contato com eles por email, contei minha historia, minha descendência de um “gaggese” e perguntei se tinham informações sobre meus antepassados.
Para minha surpresa, recebi depois de alguns dias uma relação de três gerações anteriores ao meu bisavô que haviam nascido e vivido nessa comune. Eram informações que iniciavam em 1773 como o nascimento de Giacomo Cioni e chegavam até 1885 com o casamento de meu bisavô Giacomo Cioni. E numa simplicidade incrível perguntavam se eu precisaria de mais informações.
Um parênteses: Eu havia começado a pesquisar minha família no ano de 1997 e, com tão poucas informações que haviam na época, jamais imaginaria chegar até onde cheguei.
[dropcap]À[/dropcap] partir desse momento não podia mais adiar: tinha que conseguir o reconhecimento da minha cidadania italiana! Depois de tantos anos fazendo pesquisas genealógicas, finalmente iria fazer a ligação que faltava com meus ancestrais. Para mim era um momento de pura felicidade.
Quando parecia que tudo ia bem
[dropcap]J[/dropcap]á no final da viagem, pouco antes de voltar para o Brasil, recebi a noticia de que meu pai havia ido ao médico e que havia sido diagnosticado que ele estava com câncer. O susto foi muito grande pois nunca havíamos tido um caso assim na família.
Fui visitá-lo na semana seguinte e, apesar de preocupado, fiz questão de levar para eles apenas alegrias.
Claro que conversamos sobre a doença, sobre a consulta, sobre o tratamento que ele havia começado, mas minha intenção era tirar dos meus pais um pouco do peso que a notícia havia colocado sob os ombros dos dois.
[dropcap]M[/dropcap]eu pai havia conseguido ser atendido num hospital de referencia do estado e estava se sentindo animado com a qualidade do tratamento e do acompanhamento dispensados pelos médicos e funcionários do hospital.
Ficou definido que ele faria radioterapia e quimioterapia por uns dois meses e em seguida, dependendo de como estivesse o tumor, iriam operar. Estávamos todos muito otimista e tínhamos a certeza de que o cancer seria removido e, que passado o susto, a vida voltaria ao normal.
[dropcap]E[/dropcap]m março, por outra dessas boas coincidências da vida meu trabalho exigia que eu diminuísse a quantidade de dias em haver que eu havia acumulado e aproveitei para visitar meus pais.
Durante uma semana, pude estar ao lado dele, pude acompanhá-lo nas consultas e nas sessões de radio e quimioterapia, conversamos bastante aproveitar seus últimos dias, pois infelizmente na semana seguinte ele veio a falecer.
[dropcap]A[/dropcap]s expectativas e as esperanças não se concretizaram.
Velório… Parentes… Amigos!!! Quantos amigos de meu pai eu revi naquele velório! Quantas pessoas me contaram passagens da vida delas em que meu pai aparecia para ajudar, para dar conselhos.
Enterro…. Tristeza… Adeus… Posso dizer que a morte de meu pai, apesar de triste, me foi tranquila… Eu estava de bem com ele, havíamos passado uma semana juntos, conversamos muito e tinha certeza de que nesses anos todos havia dado a ele mais alegrias do que decepções.
A retomada
[dropcap]P[/dropcap]ouco tempo depois decidi que tinha que correr atrás da cidadania italiana. Agora eu queria homenagear além de meu avô, também meu pai.
E assim foi… Corremos, eu e minha esposa, atrás da documentação, traduzimos, legalizamos e lá fui eu para a Itália fazer o processo do reconhecimento da cidadania.
Com a ajuda de um cugino italiano, Alberto Cioni, consegui alugar um apartamento bem no centro da cidade de Porretta Terme, vizinho da prefeitura!
Na Itália
[dropcap]C[/dropcap]heguei na Itália no dia 10 de outubro e Alberto já me esperava no aeroporto. Me levou até a cidade de Porreta, falamos com a imobiliária, pegamos as chaves e lá fomos nós conhecer o apartamento.
Ficou combinado que o corretor levaria no dia seguinte a CESSIONE DI FABRICATO à QUESTURA para informar que o imóvel estava sendo alugado.
O processo
No dia 11, de posse do contrato de aluguel, fomos eu e Alberto à AGENZIA DELL’ENTRATE de Bologna e fizemos meu CODICE FISCALE. Não era necessário para o processo da cidadania, mas como eu poderia fazer por ter um endereço na Itália, fiz…
[dropcap]N[/dropcap]o dia 12, já registrado na comune, fomos ao UFICCIO ANAGRAFE fazer a solicitação de reconhecimento da minha cidadania Italiana. Eu até tinha estudado um pouco de italiano, falava até muito bem em pensamento, mas na hora de abrir a boca, o italiano travava e sumia. Nessa hora, a presença do Alberto foi muito importante. Feito isso, fiquei aguardando a visita do VIGILE URBANO para certificar meu endereço.
Em seguida a oficial do cartório solicitou ao Consulado Italiano de São Paulo a “NON RENUNCIA”, ou seja, a confirmação de que nem meu avô italiano, nem meu pai e nem eu havíamos solicitado a renúncia da cidadania italiana no Brasil. Confirmação esta que chegou no dia 8 de Novembro.
Fui muito bem tratado pelas pessoas do Ufficio. Mesmo depois, quando fui sozinho e apesar de meu italiano ainda estar ruim, tiveram muita paciência e me ajudaram no que foi preciso.
“Gente di Gaggio”
[dropcap]O[/dropcap] pessoal do grupo foi muito atencioso comigo: Contaram a história da cidadade, falaram sobre a época da guerra e dos monumentos erguidos aos pracinhas. Me levaram para conhecer os lugares onde meus antepassados viveram e trabalharam. Enfim, foi uma experiência fantástica e de valor inestimável. Recebi informações suficientes para ter uma idéia de como era a vida deles na região, das dificuldades que passaram, e o que levaram eles a tomar a decisão de fazer uma viagem de navio que duraria quase um mês para terras desconhecidas.
O presente de aniversário
[dropcap]E[/dropcap]nfim, no dia 16 de Novembro, data do meu aniversário, fui reconhecido como italiano!
Muita emoção ao assinar os documentos e receber minha carta de identidade italiana. Era a realização de um sonho e de homenagem aos meus antepassados.
[dropcap]N[/dropcap]o dia seguinte fui convidado pelo pessoal do grupo Gente di Gaggio para um almoço e, para minha surpresa, recebi como lembrança deles a primeira foto de Gaggio que havia recebido com o verso autografado por todos eles.
Fui apresentado a todos, fiz um discurso em português e fiquei muito emocionado com a acolhida que tive de todos eles.
De posse de toda documentação, já estava na hora de voltar para o Brasil e matar a saudade da família.